Uma obra-prima malparida da injustiça

Os revús angolanos do processo dos 15+2 condenados pelo juiz de 1ª instância por terem cometido “actos preparatórios de rebelião e associação de malfeitores” foram soltos no passado dia 29 de Junho, sob regime de liberdade provisória enquanto esperam pelo julgamento definitivo do Tribunal Supremo de Angola (TS).

Por António Setas

Mal saíram à rua – eram 16, pois Nito Alves continua detido por ter dito em pleno tribunal «Não tenho medo de morrer. Este julgamento é uma palhaçada» -, seguiram imediatamente em marcha pelas ruas do centro da cidade, passaram pelo Largo da Independência e foram até à sede da União dos Escritores Angolanos”. Lá, soltaram um grito de vitória e clamaram: “Ler não é Crime!”.

Entretanto, nesse mesmo dia, a Câmara Criminal do TS exarou um comunicado no qual salientava, entre outras observações, a celeridade do seu julgamento, salientando que a Câmara Criminal do TS deu provimento em 28 de Junho ao Habeas Corpus, o qual tinha entrado nessa instância no dia 24 do mesmo mês, ou seja, apenas quatro dias antes. Por assim dizer, uma espécie de recorde!

Sem perca de tempo, saltaram para a arena audiovisual os comentadores, analistas e outros doutores do regime a entoar todos eles numa espécie de coro bem afinado, uni-mental, fazendo valer que este provimento era a prova de que em Angola há realmente separação de poderes.

Seria muito lindo se fosse assim, mas não é assim tanto Hélas e quem o diz, entre outros intelectuais, é o escritor angolano José Eduardo Agualusa, que disse ao semanário português Expresso que a decisão de libertar os presos políticos terá sido do próprio presidente José Eduardo dos Santos.

Os percalços imaginários

Acondenação dos revús, no dia 28 de Março 2015 é, em suma, um absurdo que trouxe grandes danos à fachada do governo angolano. De facto, a 14.ª Secção do Tribunal Provincial de Luanda, no Benfica, condenou a penas de prisão entre os 2 anos e 3 meses e os 8 anos e meio, 17 jovens que foram surpreendidos, não com as calças nem armas na mão, mas convenientemente vestidos com lapiseiras na mão e lad tops por perto, para tomar notas sobre ideias. Quais ideias? Derrubar sem recorrer à violência um regime a seus olhos por demais tirânico.

O habeas corpus foi interposto a 1 de Abril pela defesa dos 17, pedindo a libertação até decisão da justiça em relação aos recursos. Passados mais de dois meses, o documento ainda não tinha chegado ao Tribunal Supremo para ser analisado (ver comunicado que certifica que o provimento foi recebido pelo TS no dia 24 de Junho). Mais pourquoi juste ciel?

Consta que terá ido de bicicleta, depois de 20 dias à espera da requisição respectiva para… espanto!, para poder circular. Acontece ainda que, para cúmulo, a bicicleta avariou no caminho.

A situação foi confirmada pelo advogado Luís Nascimento, dando conta que os advogados da defesa concluíram agora e confirmaram que dois meses e meio depois da entrega do recurso, o mesmo ficou “retido” na 14.ª Secção do Tribunal Provincial de Luanda (primeira instância), durante quase um mês. Mas como assim?…

“O juiz da causa não entregou o documento, reteve-o, sem ter competência para isso e nem o passou a quem era dirigido (juiz-presidente do Supremo)”, apontou o advogado Luís Nascimento. Só depois dessa data, explicou ele, o processo foi enviado, mas para o Tribunal Constitucional (TC), juntamente com um recurso de inconstitucionalidade do acórdão do mesmo caso, e não para o Tribunal Supremo, a quem compete decidir sobre o ‘habeas corpus’ e cujo juiz-presidente teve de bater com a mão na mesa para ordenar à primeira instância o seu envio.

O caso, duramente criticado pela defesa dos revús, recordando a “urgência” de decidir um ‘habeas corpus’ por os revús já estarem a cumprir pena de prisão sem que os recursos tenham sido analisados, motivará agora uma queixa para aquele mesmo Tribunal e para o Conselho Superior de Magistratura. Coisas de Angola? Não, coisas do Executivo angolano.

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